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Rio Itaocaia

Obras públicas são denunciadas por indícios de crime ambiental em Maricá

Organizações encaminharam pedidos de investigação ao Ministério Público sobre desmatamento e outros impactos envolvendo serviços de canalização do Rio

Publicado em 08/06/2021 às 04:11
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Obra de canalização do Rio Itaocaia, em Maricá, desmata e aterra áreas de preservação permanente. (Foto: Divulgação)

Jacaré-de-papo-amarelo (Caiman latirostris). Provavelmente ferido por máquina de escavação em obras no entorno da Lagoa Brava, em Maricá. Marcas de maquinário podem ser percebidas na imagem. (Foto: Divulgação)

O desaparecimento de matas ciliares no entorno do Rio Itaocaia, em Maricá, é um dos principais sinais de alerta associados aos impactos negativos das obras de canalização desse corpo d’água, executadas por órgãos municipais.

Diante do que consideram um cenário de riscos, organizações da sociedade com atuação nessa cidade do litoral fluminense já denunciaram a municipalidade por crime ambiental, resultando desse movimento de articulação, pelo menos, cinco inquéritos com pedidos de investigação junto ao Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro (MPRJ), entre 2020 e 2021. 

Denúncias e questionamentos também já foram encaminhados ao Instituto Estadual do Ambiente (Inea) e à própria Prefeitura, sem que canais de diálogo tenham sido abertos para esclarecimentos.

Moradores que se dizem perplexos com os resultados do uso intensivo de maquinário, inclusive nos finais de semana, também se queixam da falta de transparência nesse processo.

De acordo com relatos ouvidos pela reportagem de ((o))eco, acompanhados de diversos vídeos e fotos, têm se ampliado rapidamente as áreas de vegetação de Mata Atlântica desmatadas na cidade e, posteriormente terraplenadas, dentre as quais, muitas abrigam espécies em risco de extinção. 

Uma moradora da cidade que pediu para não ser identificada afirma que a área impactada pelas obras mencionadas, “é considerada área de amortecimento do Monumento Natural Municipal da Pedra de Itaocaia, cuja biodiversidade é pouco conhecida, visto que o plano de manejo é integrado com outras unidades de conservação municipais e não contém nenhum diagnóstico ambiental.” Da mesma forma, parte dessas áreas, sob intervenções urbanísticas, se inserem em zona de amortecimento do Parque Estadual da Serra da Tiririca, unidade de conservação gerida pelo Inea.

Pesquisador aponta principais erros da obra 

Os indícios de erros associados às obras de canalização do Rio Itaocaia, percebidos por parte da população mais atenta aos riscos ambientais desse processo, são confirmados pelo biólogo Jorge Antônio Lourenço Pontes, professor na área de Ecologia no Programa de Pós-Graduação em Ensino de Ciências, Ambiente, Sociedade da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). “Primeiramente, não houve nenhum estudo sobre aspectos e impactos ambientais locais”, afirma. Ele aponta outras preocupações: “A obra remove totalmente a vegetação marginal nativa, retifica os cursos d’água e os canaliza em seguida”, além de sinalizar que tais medidas tendem a trazer problemas futuramente. 

Segundo o pesquisador, a impermeabilização do solo cria riscos de enchentes futuras e contribui para eliminar espécies já ameaçadas de extinção. Além disso, denuncia outro agravante do processo: “Estão transformando os cursos d’água em esgotamento, pois a ocupação se segue e todos ligam seu esgotamento nessas canalizações.”

Dentre outras legislações, Pontes ressalta que não se respeitou, nesse caso, a Lei 12.651/2012 (conhecida como Novo Código Florestal) que regula as Áreas de Preservação Permanentes (APPs), nas quais se inserem matas ciliares, nascentes, topos de morros e outros ambientes de vegetação nativa em territórios rurais.

O pesquisador recorda que em determinação recente do Supremo Tribunal de Justiça (STJ) essa legislação passou a ser considerada aplicável, também, para áreas não edificáveis, a partir de margens de cursos d´água em ambientes urbanos.

Partindo desse entendimento, as matas ciliares que protegiam o Rio Itaocaia não poderiam ter sido removidas para fins de urbanização em Maricá. 

Embora tenha firmado, em 2019, um convênio com o Inea para licenciamento de algumas obras, a Prefeitura de Maricá “não tem equipe técnica qualificada para avaliar áreas naturais, especialmente, as úmidas”, afirma o pesquisador. Além disso, esse “auto licenciamento possui condicionantes”, acrescenta. 

Em termos de riscos à biodiversidade, o biólogo alerta sobre as espécies que podem ser impactadas pela obra.

“Temos a borboleta-da-praia (Parides ascanius) – endêmica e ameaçada nacionalmente”.

Ele também destaca “pelo menos duas espécies de peixes-anuais (Nematolebias papilliferus e Neptolebias cittiniprinnis – Rivulidae) ameaçadas nacionalmente e endêmicas de Maricá”.

Além disso, menciona “o jacaré-de-papo-amarelo (Caiman latirostris), ameaçado no estado do Rio de Janeiro, sem contar o ipê-tamanco (Tabebuia cassinoides), também ameaçado nacionalmente”.

Em comum, segundo o pesquisador, “todas essas espécies dependem de áreas úmidas e alagadiças bem conservadas”.

Em termos de recomendações, o professor é enfático: “Suspender a obra, recuperar toda área destruída com replantio de espécies nativas e proteger na forma de uma unidade de conservação municipal em consonância com o Parque Estadual da Serra da Tiririca”. 

Para Pontes, tanto os cofres públicos como os moradores sofrerão prejuízos com as medidas que estão em curso.

“A poluição do valão, no qual estão transformando o Rio Itaocaia, deságua no Canal da Costa e na Praia de Itaipuaçu, no Recanto”.

Como resultado desse processo, ele alerta para os riscos futuros à qualidade de balneabilidade dessas áreas do litoral de Maricá, o que traria, consequentemente, impactos negativos ao turismo e à arrecadação de impostos no município.

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